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Saída do Reino Unido da UE é sinal de futura Presidência Donald Trump?

Por UOL com The New York Times 28/06/2016 15h03
Saída do Reino Unido da UE é sinal de futura Presidência Donald Trump?
- Foto: AP

A votação no Reino Unido a favor da saída da União Europeia causou um calafrio na capital norte-americana na última sexta-feira (24), enquanto as forças do nacionalismo econômico e a fúria da classe trabalhadora forçaram os líderes políticos a se perguntarem se isso poderia acontecer nos EUA.

O que moveu o voto no chamado "Brexit" foram muitos dos mesmos impulsos que animaram a política norte-americana neste turbulento ano eleitoral: raiva das elites distantes, ansiedade sobre uma sensação de falta de soberania nacional e, talvez principalmente, ressentimento contra migrantes e refugiados.

Esses são os temas que Donald Trump usou durante as primárias presidenciais republicanas com efeito explosivo, e que ele pretende usar a seu favor novamente na disputa com Hillary Clinton. Trump apoiou o abandono da UE pelo Reino Unido e elogiou a votação na sexta-feira durante uma escala na Escócia.

Estrategistas republicanos e democratas tarimbados dizem que Trump e, em menor grau, o senador Bernie Sanders na disputa democrata, representam um reflexo norte-americano da política voltada para dentro que varreu a Europa nos últimos anos.

"Existe uma questão fundamental que todas as economias desenvolvidas têm de enfrentar: que a globalização e as mudanças tecnológicas fizeram milhões de pessoas terem seus empregos marginalizados e os salários reduzidos", disse David Axelrod, um ex-estrategista do presidente Barack Obama e assessor do Partido Trabalhista do Reino Unido na eleição geral do ano passado.

"E assim muita gente quer que o relógio retroceda e torne os EUA, ou seu país, novamente grande."

Embora Trump possa lutar para transformar uma mensagem de nacionalismo entrincheirado em vitória, algumas das fortes divisões expostas no Reino Unido refletem as tendências políticas nos EUA.

Os eleitores mais jovens e com educação superior da região de Londres que votaram para continuar na UE, por exemplo, compartilham algumas coisas com os urbanitas norte-americanos que foram os pilares da coalizão de Obama. E Trump triunfou com os norte-americanos que se assemelham aos que votaram pela saída do Reino Unido: brancos mais velhos, sem diploma universitário e que vivem em regiões menos prósperas do campo inglês.

Mas por baixo dessas generalidades há distinções cruciais entre o voto no Brexit e a eleição presidencial de 2016.

Nos EUA, não há história recente de eleger presidentes nacionalistas hostis à imigração, e até presidentes republicanos recentes comemoraram a chegada de estrangeiros como vitais para a prosperidade e a integridade dos EUA.

As eleições presidenciais norte-americanas são amplamente decididas por um eleitorado diversificado e rico, ancorado nas cidades e subúrbios. Essas comunidades se parecem mais com Londres do que com a região de Lincolnshire. As minorias formaram mais de um quarto do eleitorado na última campanha presidencial.

Se o Reino Unido decidiu deixar a UE por meio de uma votação popular, a corrida para a Casa Branca será determinada pelo Colégio Eleitoral, que se inclina para os democratas. Alguns Estados grandes com populações não brancas significativas ficaram fora do alcance dos candidatos republicanos na maior parte das últimas três décadas; Califórnia, Nova York, Nova Jersey, Illinois e Pensilvânia votaram em todos os nomeados democratas desde 1992. Obama também venceu na Flórida duas vezes e Hillary Clinton tem a vantagem lá agora, em parte porque Trump é impopular entre os hispânicos.

Juntos, esses seis Estados oferecem 166 dos 270 votos eleitorais necessários para ganhar a Presidência.

Trump está em desvantagem ainda maior que outros nomeados republicanos recentes, por causa de sua frágil posição entre as eleitoras não brancas e com educação superior. A menos que ele consiga inverter as profundas opiniões negativas dessas eleitoras, é improvável que consiga captar as comunidades com muitos eleitores ao redor de Filadélfia, Denver, Miami e Washington, que são cruciais para conquistar a Casa Branca.

Joe Trippi, um estrategista político democrata que foi consultor do ex- primeiro-ministro Tony Blair do Reino Unido, disse que esperava que a votação no Brexit reforçasse os conservadores no EUA. Mas o entusiasmo deles, segundo Trippi, seria principalmente uma "falsa leitura" dos resultados.

"Algumas coisas muito semelhantes --um eleitorado polarizado, nativismo, nacionalismo-- foram claramente fatores importantes, e Trump os exemplifica aqui", disse Trippi.

"Mas há uma diferença no multiculturalismo e na diversidade nos EUA, contra fatores muito diferentes no Reino Unido."

Apesar dos altos níveis de preocupação sobre a imigração e o comércio exterior, pesquisas mostram que a maioria dos norte-americanos até agora recuou diante das propostas específicas de Trump, como deportar 11 milhões de imigrantes sem documentos.

Uma pesquisa publicada na quinta-feira (23) pelo Instituto de Pesquisa Pública de Religião e o Instituto Brookings revelou que enquanto os norte-americanos estão muito divididos sobre os benefícios da imigração e a maioria disse que o comércio global é prejudicial, grandes maiorias rejeitaram as promessas de Trump de construir um muro na fronteira mexicana e proibir a imigração muçulmana

Além disso, a votação no Reino Unido foi um referendo sobre uma entidade europeia da qual era fácil ser contra, enquanto a votação presidencial aqui cada vez mais se torna um referendo sobre um único indivíduo polarizador.

"Os norte-americanos terão de votar a favor ou contra uma pessoa: Trump", disse Tony Fratto, um ex-secretário de imprensa do presidente George W. Bush.

"E essa é uma barreira maior. Se você quiser se expressar com um voto de protesto, terá de votar em Trump, e ele é singularmente desinteressante e até ofensivo para a grande maioria dos norte-americanos."

Se o momento parecia convidar a um discurso de vitória temático e triunfante de Trump na sexta-feira, o próprio candidato tinha ideias diferentes.

Ao comparecer a um clube de golfe de sua propriedade em Turnberry (Escócia), Trump aplaudiu a votação como uma expressão de raiva nacional. Mas em uma entrevista coletiva sinuosa, Trump falou sobre as virtudes de sua propriedade lá e comparou as dificuldades da Presidência norte-americana à tarefa de reformar um campo de golfe.

Trump minimizou as consequências econômicas do referendo e previu que uma queda da libra esterlina beneficiará suas empresas. "Quando a libra cai, mais pessoas vêm a Turnberry, francamente", disse ele.

Hillary reagiu com contenção, fazendo uma declaração em que manifesta "respeito" pela decisão tomada por um grande país aliado e tranquiliza sobre "o firme compromisso dos EUA com um relacionamento especial com o Reino Unido".

O impacto maior da votação pode não se revelar na eleição deste outono entre Hillary e Trump. Mas ele quase certamente dividirá o Partido Republicano nos próximos anos, aprofundando a divisão interna causada pela ascensão de Trump e sua coalizão.

Os senadores republicanos Ted Cruz, do Texas, e Tom Cotton, do Arkansas, ambos amplamente considerados candidatos à Presidência em 2020, rapidamente divulgaram declarações que usavam a votação no "Brexit" para ilustrar a desconexão entre os eleitores e os líderes internacionalistas em Washington, Londres e Bruxelas.

O presidente da Câmara, Paul Ryan, republicano de Wisconsin, e o senador republicano Marco Rubio, da Flórida, que são mais defensores do livre comércio e também podem estar de olho na Casa Branca, emitiram declarações que notavelmente não visaram as elites tecnocráticas.

Laura Ingraham, uma influente âncora de rádio conservadora que apoia Trump, disse que tanto o Partido Republicano nos EUA como o Conservador no Reino Unido foram divididos por "lutas sobre o globalismo". Em ambos os casos, segundo ela, "os nacionalistas da classe trabalhadora buscam uma mudança maior" --até agora com certo sucesso.

"O Partido Republicano está ficando mais nacionalista, e essa tendência provavelmente continuará, haja o que houver com Trump", escreveu Ingraham em um e-mail antes do anúncio do resultado do referendo.