Alagoas

Para representante do Movimento Negro- AL, o combate ao racismo deve começar na infância

Por Mariane Rodrigues - Estagiária 23/04/2016 08h08
Para representante do Movimento Negro- AL, o combate ao racismo deve começar na infância
- Foto: Cortesia

CortesiaEm cada oportunidade de enfrentar a escola, as passarelas, os espaços públicos e o mundo em geral, um método simples, mas que parece eficaz como parte do desenvolvimento de uma cultura de autoafirmação e valorização do próprio corpo e das próprias características étnicas: o olhar-se no espelho. Assim inicia a preparação quase que diária da menina Stephany Mayara Silva Santos, 9 anos, modelo desde os quatro. A beleza refletida nas madeixas encaracoladas e o talento para o palco e as fotografias não impedem que Stephany sofra o racismo por ser negra.

A ativista e coordenadora do Instituto Raízes de Áfricas, uma das representações do Movimento Negro em Alagoas, e que acompanha Stephany há três meses, Arisia Barros, defende que o combate ao racismo deve ser iniciado desde a primeira infância, fase em que a criança começa a entrar em contato com os primeiros sinais do racismo, que surgem revestidos nas mais variadas facetas.

“Em nosso contexto brasileiro, os pais têm que educar seus filhos também para combater o racismo. Isso é cruel, porque tem que dizer a uma criança negra que ela tem que se superar, tem que ser a melhor e que a sociedade vai exigir muito, porque para alcançar um posto de trabalho relevante e ganhar bem, o negro tem que ser o melhor. Isso é mais um componente dentro da educação de negros e negras. É uma educação mais realista para dar a eles”, explica Barros. Stephany Mayara junto com Arísia Barros em audiência pública na Assembleia Legislativa

O olhar-se no espelho, segundo a Arisia, é uma dentre as alternativas encontradas para reforçar, de maneira lúdica e em linguagem infantil, a aceitação de que, o cabelo crespo e a cor negra fazem parte de “uma beleza que o mundo não aceita porque não está na beleza padrão, mas que através do espelho, ela possa se vê e se achar bonita”, explica Barros.

Nas passarelas, a mãe de Stephany, Maria Alcina, conta que apesar de a filha ter tido o primeiro contato com a moda aos quatro anos e já ter alguns títulos de concursos e trabalhos realizados, nenhum deles foi remunerado até o momento.

A modelo possui em sua ‘bagagem profissional’, desde o concurso Star Hits 2015 até a segunda colocação no concurso Belíssima Alagoas 2015. Agora ela é candidata ao Minimiss Alagoas 2016 e vai participar do Projeto Passarela 2016 que acontece em São Paulo.

Dentro deste universo e também na escola, a mãe afirma que a filha tem sofrido ataques racistas, questionamentos quanto aos títulos conquistados por ela, exclusão de grupos de amigos, chacotas, e até foi satirizada em uma página no facebook criada por anônimos com montagens e charges.

“Quando tomamos conhecimento que na escola nossa filha era motivo de chacota entre os coleguinhas, por causa do cabelo dela que incomodava os “padrões” da escola, começamos a conversar com nossa filha e mostrar como deveria agir nesses momentos, pois não seria nem o primeiro, nem o último, então ela teria que ser preparada para não sofrer tanto”, afirma a mãe.

Uma das primeiras pessoas a perceber o preconceito dirigido a Stephany, foi o seu orientador de moda, Miguel Conceição, que também é modelo e ativista do movimento negro em Alagoas. Ele conta que a modelo já foi alvo de memes na internet e que já foi ignorada por grupos de meninas que entrosavam entre si, excluindo-a de qualquer possibilidade de cumprimentos e conversa.  

Cortesia“A beleza negra é sempre associada a pobreza e não ao glamour da moda. Portanto, é muito mais difícil para a criança negra ser inserida num mundo que sempre é aludido à riqueza. Mas estamos na luta para tentar, ao menos, minimizar os efeitos do racismo fortalecendo o povo negro e conscientizando a sociedade”, afirma Miguel.


“A Stephany é uma menina belíssima, arrasa no mundo da moda e isso causa uma inquietação, ela é perseguida porque não aceitam que uma criança negra ocupe esse espaço”, complementa Arísia.

Processo de consciência

O processo de consciência negra começaria quando criança, para treiná-la a criar mecanismos de defesas que visam desconstruir o preconceito por meio de argumentos. Arísia explica que este processo deve ser lento e gradual, para não expor à criança num mundo de ativismo sem que ela esteja preparada para enfrentar os percalços que por ventura venham a ocorrer.

“Ela quer ser modelo, mas ao mesmo tempo ela não entende o que é essa confusão. Na cabeça dela é uma confusão. Não existe espaço para todos. O nosso espaço é espaço arrancado. No Brasil, tem que ter ousadia, coragem e inteligência para vencer a barra”, acrescenta Arísia.                                                                           

Para isso, Stephany, acompanhada de Arísia, participa de rodas de conversa, encontros relacionados ao movimento negro, e de audiências públicas. No último dia 04, ela participou de uma audiência na Assembleia Legislativa, “Eku abo – Tempos de Áfricas – sobre lutas, ativismo e resiliência do povo preto”, em que falou sobre como é ser criança e sofrer de racismo, pedindo a deputada, Jó Pereira, investimentos na luta a favor do combate ao racismo na infância.                                                                                                

Agora, ela é convidada por Arísia a participar de um programa que será veiculado uma vez por semana na TV e na rádio baseado em depoimentos com foco nos problemas sociais causados pelo racismo. Stephany vai abrir o programa para falar sobre o racismo na infância. O projeto é idealizado pela própria Arísia Barros e tem parceria com o Instituto Zumbi dos Palmares e o Instituto Raiz da África.

“O objetivo é despertar essas problemáticas e estabelecer caminhos de mudança. Cabe ao estado brasileiro, criar possibilidades para que a sociedade reconheça o racismo como uma forma perversa de exclusão. Stephany entra como aprendiz nesse processo”, finaliza.