Alagoas

Terra do 1º presidente da República, Marechal Deodoro celebra feriado com prefeito e juiz afastados

Cidade de belas praias vive cenário de anormalidade administrativa e é alvo de esquemas de corrupção

Por UOL - Carlos Madeiro 15/11/2016 07h07
Terra do 1º presidente da República, Marechal Deodoro celebra feriado com prefeito e juiz afastados
Cidade Marechal Deodoro, na região metropolitana de Maceió - Foto: Divulgação

Cidade natal do proclamador da República, Marechal Deodoro --na região metropolitana de Maceió-- será novamente a capital de Alagoas por um dia nesta terça-feira (15) para celebrar a história do primeiro presidente da República. Mas a cidade de belas praias vive um cenário de anormalidade administrativa: o prefeito e o juiz estão afastados por suspeita de corrupção.

O atual prefeito é alvo de pelo menos quatro ações na Justiça: três ajuizadas pelo MPF (Ministério Público Federal) e uma pelo MP Estadual. Todas as acusam de desvio de verbas. Já o juiz titular da comarca, por sua vez, é suspeito de receber uma espécie de "mensalinho" para não proferir decisões contra o prefeito. O prefeito afirma ser inocente e o juiz não foi encontrado pela reportagem do UOL para comentar o caso.

Em meio a esse cenário, para que as decisões ocorressem, foi necessária a intervenção de órgãos federais.

Divulgação/FacebookNo caso do MPF, foram ajuizadas três ações civis públicas, em setembro, contra o prefeito Cristiano Matheus (PMDB). Ele é acusado de desvio de recursos federais nas áreas de transporte escolar, merenda e obras. Segundo as investigações, as irregularidades somam um desvio de no mínimo R$ 6 milhões --sendo R$ 5,5 milhões somente na contratação do transporte escolar.

Além do prefeito, outras 38 pessoas e 15 empresas também são acusadas de participação no esquema. O político teve os bens bloqueados por decisão cautelar da Justiça para garantir um eventual ressarcimento ao erário.

Por conta das denúncias do MPF, no dia 22 de setembro, Matheus acabou afastado da prefeitura pela juíza Isabele Carvalho de Oliveira, da 2ª Vara Federal em Alagoas. O prefeito entrou com recurso no TRF (Tribunal Regional Federal) da 5ª Região para tentar retornar ao cargo. Em seu lugar, assumiu a vice, Iolanda Alcântara (PMDB). Como uma de suas primeiras medidas, ela anunciou uma auditoria nas contas municipais para saber a situação do município.

Cristiano Matheus era deputado federal quando, em 2008, foi eleito prefeito com apoio do grupo político controlado pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Quatro anos depois, foi reconduzido ao poder.

Beneficiamento na Justiça

Além da Justiça Federal, Matheus enfrenta há mais tempo problemas na Justiça Estadual.

Em agosto de 2014, ele foi denunciado pelo MP de Alagoas por fraude em licitação, formação de quadrilha e crime de responsabilidade ocorridos entre 2009 e 2013. Segundo as investigações, a contratação e pagamento irregulares por serviços de estrutura de shows teriam dado um prejuízo de R$ 1,3 milhão aos cofres públicos.

O MP solicitou o afastamento e a prisão do gestor, mas ambos não foram aceitos pela Justiça em nenhuma esfera estadual.

Em outubro de 2016, veio à tona então o escândalo: o juiz titular do município, Leo Denisson Bezerra de Almeida, foi afastado do cargo e teve processo administrativo disciplinar aberto pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Motivo: o magistrado receberia um "pagamento mensal em torno de R$ 50 mil para atuar em favor do prefeito da cidade".

O UOL não conseguiu contato com Leo Denisson -- procurada, a assessoria do Tribunal de Justiça alagoano não informou o telefone do juiz afastado e disse as chamadas para o número estão vindo com a mensagem "inexistente" há alguns dias. O magistrado também não se manifestou publicamente sobre o afastamento à época da decisão do CNJ.

A proteção que Matheus recebia também ocorria em instância superior. Matheus é ex-genro do presidente afastado do Tribunal de Justiça de Alagoas, o desembargador Washington Luiz Freitas. Entre as denúncias que resultaram em seu afastamento argo pelo CNJ, em agosto, estava justamente o de proteger o prefeito com decisões que o beneficiaram.

Grupo perde eleição

O afastamento do prefeito ocorreu às vésperas da eleição. O grupo peemedebista --que historicamente governa a cidade-- perdeu na disputa de 2 de outubro: Cacau (PSD) venceu Júnior Dâmaso (PMDB) por apenas quatro votos.

Para o prefeito afastado, sua saída do cargo foi determinante para a vitória do grupo opositor. "Totalmente [decisiva a denúncia]; até porque perdemos por quatro votos, e numa eleição dessas, claro, faz toda diferença você tirar um prefeito", disse Cristiano Matheus.

"Se você pedisse antes para eu provar, eu iria para alegar, para mostrar [minha inocência]. Agora faltando 10 dias para uma eleição, faltando três meses para acabar o mandato, vir com uma denúncia de 2009? Acho injusto, mas respeito", completou.

Sobre as denúncias a que responde, Matheus diz que é inocente. "Não estou nem acompanhando [os processos]. Estou de boa, tranquilo e pronto para comprovar e provar à Justiça que não devo nada", disse. 

Histórico de corrupção na terra do proclamador

A história de prefeitos com problema na Justiça na cidade não é novidade. Antes de Matheus, o então prefeito Danilo Dâmaso também foi afastado o cargo por suspeita corrupção, em 2007. Antes, chegou a ser preso na Operação Guabiru, da Polícia Federal, em 2005, que investigou desvio de recursos da merenda em cidades alagoanas. Dâmaso governou Marechal entre 2001 e 2008 e morreu em abril de 2012.

A eleição em Marechal Deodoro é uma das mais visadas do Estado. A cidade, que já foi a capital de Alagoas, tem o maior PIB (Produto Interno Bruto) per capita do Estado: R$ 27.504,68, segundo dados de 2013 do IBGE --para efeito de comparação, a capital Maceió tem PIB per capita de R$ 16.439,48.

Em 2006, a cidade tornou-se patrimônio histórico nacional pelo Ministério da Cultura. O município também conhecido por uma das praias mais badaladas do Nordeste, a praia do Francês, onde estão instalados dezenas de hotéis.

O professor de economia da Universidade Federal de Alagoas e especialista em desenvolvimento regional, Cícero Péricles, afirma que a renda per capital alta do município é fruto de investimentos privados no Distrito Industrial (em especial a unidade da Braskem), ao pagamento de royalties pela exploração de gás natural e o turismo.

Entretanto, Péricles diz que, apesar da riqueza, a cidade não é desenvolvida e a população historicamente não lucra por ter mais recursos. "Não é como alguns outros municípios com PIB per capita até menor, mas que são mais bem distribuídos. O distrito é desconectado da cidade. Em Marechal, a população não faz parte do contingente dos trabalhadores das indústrias: todos moram em Maceió. A sede da cidade é tão atrasada como a de qualquer outra do litoral alagoano", afirma.