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Sob incerteza, Donald Trump se torna 45º presidente dos EUA nesta sexta

Empresário terá nas mãos a chefia da maior potência econômica e militar do mundo

Por Folha de São Paulo com Folha de São Paulo 20/01/2017 05h05
Sob incerteza, Donald Trump se torna 45º presidente dos EUA nesta sexta
Presidente dos EUA acena para seguidores - Foto: Reuters

Ao prestar juramento nesta sexta (20) como o 45º presidente dos Estados Unidos, o empresário Donald Trump assumirá a chefia da maior potência econômica e militar do mundo cercado de incertezas sobre o seu governo na pele do mandatário americano mais impopular a entrar na Casa Branca em décadas.

O modo agressivo e nada convencional da campanha que levou pela primeira vez na história um não político à Presidência dos EUA prenuncia uma ruptura drástica não só de estilo em relação a Barack Obama, mas também de conteúdo nas políticas que o país irá adotar nas esferas doméstica e externa.

O ambiente tóxico que dominou uma das disputas presidenciais mais polarizadas já vividas pelo país não arrefeceu após a eleição de 8 de novembro, em que ele venceu Hillary Clinton no Colégio Eleitoral, mas perdeu no voto popular. Trump continuou a disparar declarações polêmicas e críticas diárias aos que o questionam.

A conclusão da inteligência americana de que o governo russo orquestrou uma operação de ciberespionagem para favorecer Trump na campanha intensificou a desconfiança dos opositores.

Mais que oposição, a suposta interferência russa levou ao questionamento da legitimidade de Trump como presidente, como fez o deputado democrata John Lewis, ícone da luta contra a segregação racial no país.

Decidido a não comparecer à posse, Lewis deflagrou um movimento que já recebeu a adesão de mais de 60 deputados democratas ao boicote, o maior número desde o boicote à segunda posse de Richard Nixon (1913-1994) em 1973, por causa da Guerra do Vietnã.

Trump não será o primeiro presidente americano a assumir o poder em meio a dúvidas sobre sua legitimidade. No caso mais recente, George W. Bush tomou posse cercado de desconfiança de boa parte dos americanos após vencer a eleição de 2000 após uma conturbada recontagem de votos e a intervenção da Suprema Corte. A diferença é que Trump pouco fez para baixar as chamas.

"Longe de acalmar o país, Trump lembrou a todos que se opuseram a ele em 8 de novembro o porquê de o considerarem inadequado para a Presidência", escreveu o comentarista politico E.J. Dionne no "Washington Post".

O candidato não convencional e inimigo do politicamente correto que prometeu virar Washington de cabeça para baixo seguirá o ritual da posse presidencial com toda a pompa e circunstância, mas em escala menor.

CERIMÔNIA MODESTA

Em contraste com sua personalidade, a posse de Trump será mais modesta que as anteriores, dividida entre a festa e o repúdio.

Dezenas de manifestações estão planejadas por diversos grupos para mostrar sua oposição a Trump, que culminará com a marcha das mulheres, neste sábado (21).

Estima-se que 900 mil pessoas assistirão à posse, metade do público que acompanhou a chegada ao poder de Barack Obama, em 2009. Pelo cronograma Trump fará o juramento no Capitólio (sede do Congresso) às 15h de Brasília e depois percorrerá com o vice, Mike Pence, os 2,4 km até a Casa Branca.

Segundo o comitê que organiza a posse, o tradicional desfile foi encurtado a uma hora e meia (Obama levou mais de duas horas) para que Trump vá imediatamente "para o trabalho" antes dos três bailes oficiais a que deverá comparecer à noite com a primeira-dama, Melania. Barack Obama e Michelle foram a 11. Bill Clinton, a 14.

O glamour pop ao qual o bilionário está habituado após anos como celebridade nacional estará pouco representado na posse, depois da esnobada de artistas como os cantores Elton John e Andrea Bocelli ao convite para se apresentarem na festa.

Trump retrucou que estava pouco ligando para o boicote, e o que importa é "o povo". Desde a eleição, porém, ele vem caindo aos olhos dos americanos.

Tomará posse com 52% de rejeição, uma maioria que não o considera apropriado para ser presidente e que os antecessores não tiveram de enfrentar. Bush entrou com 62% de aprovação em 2001, e Obama chegou à Casa Branca com o aval de 79% dos americanos.

TRUMP QUER SER O MELHOR DA HISTÓRIA, MAS TEM POUCAS CHANCES

O repórter norte-americano David Cay Johnston, 68, autor da biografia "The Making of Donald Trump", se diz muito pessimista com as perspectivas da Presidência de Donald Trump, 70, mas pondera que o 45º presidente dos Estados Unidos almeja ser mais do que bem-sucedido.

"Trump quer que a história o chame de o maior presidente de todos os tempos. Ele não quer falhar, ele não quer ser uma piada", afirma Johnston, por telefone, de Nova York. Para o jornalista, contudo, as chances de um governo exitoso de Trump são muito reduzidas, e por causa da personalidade singular do ocupante do cargo: imatura, insegura e narcisista.

Sobre a relação dos Estados Unidos com o Brasil sob Trump, Johnston avalia que não haverá mudanças significativas, uma vez que o saldo da balança comercial com o Brasil é positivo para os americanos.

"O foco comercial de Trump está naquilo que ele chama de maus acordos, pelos quais os Estados Unidos importam mais do que exportam, como com a China e o México."

Johnston fala do ponto de vista de quem conhece seu tema muito bem: como repórter especializado em finanças, cobre Trump e seus negócios há quase 30 anos, desde junho de 1988.

Na biografia "The Making of Donald Trump" (A Formação de Donald Trump, em tradução livre, Melville House, 2016), não lançada no Brasil, o autor aproveita a experiência de longa data para detalhar a trajetória de Trump e da família, além da carreira dele como empresário.

A perspectiva é crítica e o conteúdo, muitas vezes alarmante, listando casos e negócios no mínimo sombrios. Trump teria ramificações de negócios com máfias internacionais, acusações que o magnata rechaça e credita a perseguições do que chama de "mídia desonesta".

Johnston venceu o mais importante prêmio da imprensa nos Estados Unidos, o Pulitzer, em 2001, quando era repórter do jornal "The New York Times". Também escreveu livros em que revela como o sistema econômico americano favorece deliberadamente a concentração de renda nas mãos dos mais ricos, empobrecendo a imensa maioria.

"Trump representa o lado corrupto desse capitalismo", aponta.

Ele atua hoje como jornalista independente e está em campanha para viabilizar o projeto de jornalismo colaborativo e cidadão DCReport, de modo a fiscalizar o poder público próxima e continuamente. Algo que, diz, a imprensa dos Estados Unidos tem falhado ou deixado de fazer. Ele tem um sonho.

Leia a seguir trechos da entrevista de David Cay Johnston ao UOL:

"Toda a sua campanha foi feita com mentiras"

A eleição de Donald Trump não é uma surpresa, mas é chocante. Trump vem falando em se lançar candidato há mais de 30 anos. O chocante é que toda a sua campanha foi feita com mentiras e ele conseguiu [ser eleito]. Ele ganhou porque a grande mídia dos Estados Unidos não fez apropriadamente uma investigação de seu retrospecto. Os grandes jornais e canais de TV nunca contaram para as pessoas sobre seu envolvimento profundo e de longa data com os maiores criminosos e mafiosos, como os oligarcas da Rússia. O que precisa ser entendido é que, quando alguém concorre a presidente dos Estados Unidos, os grandes jornais normalmente colocam repórteres atrás da pessoa para checar o que ela fez no passado. E eles não fizeram isso dessa vez. Antes de tudo, porque há 60% menos jornalistas hoje nos Estados Unidos do que no ano 2000. Esse é o problema verdadeiro.

Em segundo lugar, Trump ameaçou processar todo mundo, em qualquer lugar. E embora muitas dessas organizações de mídia estivessem conscientes das conexões de Donald Trump com criminosos, porque [as denúncias] vinham de registros oficiais do governo, e ele não pudesse processar com êxito em relação a isso, nada se divulgou. Donald Trump enganou o povo americano, e jornalistas de grandes organizações falharam ao não dizer quem de fato Trump é.

Trump ataca jornalistas e os chama de desonestos na esperança de escapar das próprias mentiras. Ele persuade as pessoas a não acreditar nas empresas de comunicação. Então, quando os jornalistas apontam as mentiras dele, as pessoas dizem: "Eu não acredito em você". Aí ele pode continuar mentindo. Não há campo de jogo, disputa, há inteiramente apenas um lado de ataque, de Trump contra o jornalismo honesto.

"Ele acredita ser geneticamente superior."

Primeiro de tudo, Trump é um narcisista de marca maior. Ele acredita ser geneticamente superior. Em segundo lugar, não tem um núcleo moral. Em um dos capítulos do meu livro, lembro de uma passagem em que ele colocou em risco a vida de uma criança por dinheiro. Quem coloca a vida de uma criança em risco para ganhar mais dinheiro? Em terceiro, emocionalmente, ele é um garoto de 13 anos num corpo de um homem de 70 anos. Psicologicamente, Trump está preso naquele ano. Eis por que ele fala das mulheres do modo como ele faz, tão inseguro, e ataca pessoas trivialmente. E na verdade tenho certa simpatia por ele nesse caso, porque deve ser horrível permanecer assim por tanto tempo. O quarto ponto é que Donald é só aparência.

Conta que ganha bilhões de dólares, mas não há nenhuma evidência independente e verificável de que ganhe um único bilhão de dólares. No livro, aponto que, em dias de junho e julho de 2015, ele disse ter US$ 8,7 bilhões, US$ 10 bilhões e mais de US$ 10 bilhões e em um caso US$ 11 bilhões, e ninguém varia tanto de valor assim nesse período. Trump inventou esses números. Ele faz isso o tempo inteiro. Em várias oportunidades, fui checar o que ele dizia e mostrei que não era verdade. 

"Trump representa o lado corrupto desse capitalismo"

O que Trump representa é o todo corrupto do capitalismo e a falha do governo em combater as más condutas do sistema. Boa parte do dinheiro que Trump tem vem de subsídios do governo. Nos Estados Unidos, nós damos subsídios maciços aos super-ricos. Eis sobre o que meus livros tratam: "Perfectly legal" [Perfeitamente legal, em tradução livre], sobre impostos; "Free lunch" [Almoço grátis], sobre subsídios aos ricos; e "Fine print" [Texto legal], sobre monopólios. O fato é que, para as pessoas muito ricas nos Estados Unidos, impostos não são um grande peso. Donald Trump pagou de imposto de renda, no ano passado, US$ 1.977 [cerca de R$ 6.300]. Trump representa o lado corrupto desse capitalismo. O capitalismo só funciona se se controlam as partes ruins e se obtêm os benefícios do lado positivo. Infelizmente, nos Estados Unidos, nós esquecemos dessa lição.

Quais as chances de Trump ser bom presidente?

Donald Trump quer ser bem-sucedido. Ele quer que a história o chame de o maior presidente de todos os tempos. Ele não quer falhar, ele não quer ser uma piada. E certamente não quer sofrer impeachment. Ele fará algumas coisas que são boas e precisam ser feitas. Por exemplo, deverá investir uma boa quantia de dinheiro em reconstruir a infraestrutura dos Estados Unidos, como rodovias e pontes. Coisa que Obama queria fazer, mas que republicanos no Congresso não deixaram. Isso será uma coisa boa.

De modo geral, a grande preocupação é que, por causa de sua imaturidade e insegurança, assim que assuma o posto e os pesos do trabalho se coloquem sobre ele, o comportamento de Trump se torne instável. Porque ele não tem o núcleo moral e a autoconfiança para gerenciar as coisas com as quais poderá lidar quando se tornar presidente.

Trump: o "violino" de Putin

Vladimir Putin [presidente da Rússia] vem tocando Trump como se fosse um violino. Se um romancista americano tentasse vender um romance dois anos atrás sobre um presidente republicano que denegrisse as agências americanas de inteligência, CIA [Agência Central de Inteligência], NSA [Agência de Segurança Nacional] etc., e expressasse admiração pelo líder em Moscou, nenhum editor compraria o livro. Eles diriam: "Isso é insano. É tão fora da realidade". Mas é exatamente o que está acontecendo agora.

Ele é republicano, pelo menos diz ser, mas não é de verdade. Isto é surpreendente. Donald tem relações profundas com os oligarcas russos, que são uma rede de criminosos.

Com relação à China, Trump está profundamente endividado com o governo chinês, pessoalmente. [Um dossiê com supostas ligações estreitas de Trump com autoridades russas veio à tona nas últimas semanas, gerando alvoroço. As denúncias, que incluiriam orgias com prostitutas, não foram confirmadas pela imprensa internacional.]

E será também muito autoritário com jornalistas que mostrem que ele está mentindo. Há milhões de meios de a Presidência de Trump se dar mal e muito poucos de fazer os Estados Unidos e o mundo melhores. Ele é manifestamente desqualificado para ser o presidente. Nunca ocupou nenhum cargo público.

Eu cuido de oito filhos com um salário de jornalista. Então eu devo ser otimista. Mas estou muito pessimista em relação aos próximos quatro anos. E muito preocupado sobre o futuro da democracia nos Estados Unidos.

"O Brasil é um grande parceiro comercial"

Donald não dá a mínima [para o Brasil e a América Latina]. Ele não tem uma filosofia política. Sua filosofia é só a glorificação da autoproclamada superioridade genética. Ele divide o mundo em dois grupos de pessoas: aquelas que são absolutamente leais a ele e acreditam e o glorificam e as demais, que ele chama de perdedores.

O Brasil é um grande parceiro comercial dos Estados Unidos e um dos poucos países grandes com o qual os Estados Unidos têm um saldo positivo, vendendo ao Brasil mais do que importa.

[Em 2016, segundo dados do governo brasileiro, o Brasil exportou para os Estados Unidos US$ 23,156 bilhões em bens, enquanto importou dos americanos US$ 23,802 bilhões, um saldo positivo para os Estados Unidos de US$ 646 milhões. Os Estados Unidos, junto com a China, são os principais parceiros comerciais do Brasil]. 

O foco comercial de Trump está naquilo que ele chama de maus acordos, pelos quais os Estados Unidos importam mais do que exportam, como com a China e o México. Uma vez que o saldo dos Estados Unidos é positivo com o Brasil, duvido de que Trump preste muita atenção no comércio bilateral entre os países, muito embora o Brasil seja a sétima maior economia do mundo.

Se Trump sabe onde fica o Brasil? Boa pergunta. Estou certo de que ele conhece o Rio, mas saber que Brasília é a capital ou ter alguma ideia do que Rondônia é... Duvidoso.

TRUMP É APRENDIZ DE DITADOR, DIZ GEORGE SOROS

"Várias formas de sociedades fechadas - de ditaduras fascistas a Estados mafiosos - estão no horizonte. Os Estados Unidos elegeram um aprendiz de ditador como presidente. Mas Trump vai falhar e os mercados não vão se dar bem."

Com o raciocínio e a língua afiados, apesar dos 86 anos de idade, George Soros, sócio do fundo hedge que leva seu nome e administra cerca de US$ 30 bilhões, recebeu para seu tradicional jantar em Davos, nesta quinta-feira (19).

Além de três pratos, pinot noir, e outros cinco vinhos, os comensais assistiram uma deliciosa entrevista com a repórter da Bloomberg, Francine Lacqua.

Para o bilionário, o entusiasmo dos mercados pós-eleições americanas, que viram perspectivas de crescimento maior com o novo governo, não vai durar.

"Donald Trump vai fracassar. Os mercados veem Trump desmantelando a regulamentações e reduzindo impostos. É um sonho para eles, que se tornou realidade", disse, menos de 24 horas antes da posse do 45º presidente dos EUA.

Além de doar cerca de US$ 10,5 milhões para a campanha de Hillary Clinton, ao apostar na sua vitória, Soros perdeu quase US$ 1 bilhão em negócios que se beneficiariam se o mercado caísse. Mas ele subiu.

"Eu o descrevo como um impostor, um vigarista e um aprendiz de ditador", disse, arrancando riscos da plateia. Mas ele não será um ditador porque acredito que a Constituição e as instituições dos Estados Unidos serão
fortes o suficiente", disse.

"É impossível prever como ele será [na Casa Branca] porque ele não imaginava que venceria, e só quando conseguiu, começou a pensar no que fará."

Além de prever uma guerra comercial dos EUA com a China, o megainvestidor, que voltou a negociar parte dos recursos do Soros Fund Management em 2016, acredita que a União Europeia "está se desintegrando".

"Políticos falharam no Brexit e no referendo na Itália." A política de Trump vai forçar uma aproximação dela com a China, diz acreditar.

Outra aposta dele é que os britânicos se arrependerão do Brexit. Vão perceber que foi um "desastre", conforme a inflação corroer sua renda.

"Vão se dar conta de que estarão ganhando menos do que antes." Será um processo longo: "divorciar leva mais tempo que casar". Se a Europa quebrar, as consequências serão "muito desastrosas. Não acredito que vá
se salvar." Theresa May, a primeira ministra britânica tampouco vai durar, prevê.

Esta Folha esteve presente ao jantar, mas a noite foi quente demais nos Alpes para sobrar tempo para respostas sobre o Brasil.