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Mulher acusa amante de tentar matá-la: "ele me atirou de ponte, e me fingi de morta para fugir"

Por Uol Notícias 04/12/2017 10h10
Mulher acusa amante de tentar matá-la: 'ele me atirou de ponte, e me fingi de morta para fugir'
Mulher diz ter sido jogada de ponte pelo amante, se fingido de morta e ido à polícia denunciá-lo no Paraná - Foto: Reprodução de TV

Dirce*, uma mulher baixa, levemente obesa, cabelos grisalhos e rosto maltratado, que a fazem aparentar mais do que os 51 anos de sua idade, procurou a polícia de Quatro Barras (região metropolitana de Curitiba) para relatar ter sido atirada pelo amante, um homem de 41 anos, de uma ponte na sinuosa serra da Estrada da Graciosa, a centenária via que foi a primeira ligação transitável entre a capital e o litoral do Paraná, numa noite fria de junho passado.

"Ele me levou lá para um passeio e disse que queria tirar umas fotos. Daí falou que queria uma só minha. Sentei na mureta da ponte e ele me empurrou", ela contou à reportagem nesta quinta-feira (30).

Pelo relato que fez aos policiais, Dirce sobreviveu a uma queda de cerca de quatro metros --graças, provavelmente, à abundante vegetação da área--, fingiu estar morta por cerca de meia hora e só então saiu em busca de socorro.

Para ela, o amante tentou matá-la. Para a polícia, também, já que diz ter se tratado de uma tentativa de crime de feminicídio.

Amarildo*, o suspeito, foi preso preventivamente --quando o prazo na cadeia é indeterminado-- na terça-feira (28).

Ele nega o crime. A mulher dele, Alice*, uma auxiliar de enfermagem de 43 anos, diz crer na inocência dele e contratou um advogado para defendê-lo.

"Temos 20 anos de casados. Meu marido não é um homem mau, não seria capaz disso", relatou a mulher, também nesta quinta, com os olhos marejados. "Nem consegui conversar com ele a respeito. Foi na mídia que vi de que o acusam", falou --mesmo com o inquérito ainda em andamento, a Polícia Civil do Paraná divulgou o caso à imprensa um dia após a prisão de Amarildo.

Voltemos a 17 de junho passado, quando tudo aconteceu. Naquela noite, Dirce foi levada ao hospital por soldados da Polícia Militar Rodoviária, que registraram um boletim de ocorrência em que ela afirma "que seu namorado a jogou de uma ponte no meio da serra da Graciosa".

O boletim, segundo a PM, é unificado, ou seja, o caso foi instantaneamente comunicado à Polícia Civil.

Mas passou em branco: o delegado de Quatro Barras, Luiz Carlos de Oliveira, só teve notícia dele passados mais de cinco meses, no último dia 22, quando Dirce entrou, apoiada numa bengala, no prédio em que ele trabalha.

"Fiquei deitada pra ele pensar que eu tinha morrido"

"Naquele dia, ele me perguntou se eu conhecia a Graciosa. Nunca havia estado lá. Ele propôs pra gente ir. Estranhei, já era noite", contou Dirce, após passar boa parte da manhã na estrada, onde fora tentar reconhecer o lugar de que caiu --não conseguiu. Segundo o inquérito policial, eram por volta das 19h.

De acordo com ela, Amarildo, então, disse querer fotografá-la só, apoiada na mureta da ponte. Sob o pretexto de arrumá-la, a empurrou. "Caí e fiquei uma meia hora deitada de bruços, para ele pensar que eu tinha morrido. Umas três vezes ele veio ver se eu estava viva, me iluminando com a lanterna do celular", relatou.

"Quando parecia que ele tinha ido embora, eu comecei a tentar sair. A terra estava mole, tive que fazer uns buracos para conseguir escalar o barranco, quebrei as unhas 'tudo'. Pedi ajuda, mas os carros não paravam. Fui andando pela estrada, umas duas ou três horas, a perna quebrada, eu segurando no lugar com a mão."

A Graciosa é usada, principalmente, por turistas, em dias de sol e calor. À noite e em épocas de frio, o movimento é escasso. Passava das 23h, de acordo com o inquérito policial, quando ela finalmente encontrou uma casa e pediu socorro.

O homem que atendeu à porta foi a um posto da Polícia Militar Rodoviária, no início da estrada da Graciosa, pedir ajuda. Os policiais foram à casa dele e a levaram.

"Trinquei a coluna e quebrei o pé direito. Fiquei uma noite internada. No dia seguinte, meus filhos foram me buscar. Tive que ficar uns meses de cama, com o pé engessado. Quando tirei o gesso é que fui à polícia.".

Dirce procurou a Delegacia da Mulher, em Curitiba. Ali, a orientaram a ir à de Quatro Barras, município em que se localiza o trecho da estrada em que ocorreu o caso.

Dirce estudou até a antiga sétima série do fundamental e trabalhou como faxineira numa montadora de caminhões em Curitiba.

Quando conheceu Amarildo, porém, estava desempregada --vivia da pensão que um ex-marido lhe paga por dois dos seis filhos, adolescentes, que ainda vivem com ela no Tatuquara, bairro pobre na zona sul de Curitiba, numa rua de casas de madeira ou de alvenaria de paredes em reboco nu, sem pintura.

Ela disse ter conhecido Amarildo numa tarde de outubro de 2016 numa praça no Hauer, um bairro próximo ao local de trabalho dele, que é motorista numa empresa pertencente a familiares.

"Eu estava levando meus piás (termo curitibano para garotos) para brincar na pracinha. Ele estava lá, chegou 'ni mim' perguntando se eu era sozinha. Disse que sim, conversamos. Ele pediu meu telefone, eu dei. Mais tarde, ele me ligou. Ficamos trocando mensagem uns 15 dias e aí marcamos um encontro e saímos. Ele me disse que era solteiro."

"Eu era apaixonada por ele. Ele me levava passear, jantar, fazia as coisas boas pra mim", lembrou Dirce. Amarildo também lhe dava algum dinheiro --R$ 50 ou R$ 100 por vez, soma que a ajudava a completar o orçamento. A uma emissora de TV, ele disse ser extorquido pela amante. 

A coisa mudou, nas palavras de Dirce, quando ela descobriu que o namorado, na verdade, era casado. "Um dia o celular dele apitou e eu peguei. A mensagem dizia: 'Oi, amor'. Respondi: 'Quem é?'. 'Sou sua esposa, não lembra mais?' Daí confrontei ele, que assumiu que era casado. E passou a ser agressivo, me batia quando eu falava em contar pra mulher dele."

À polícia, Amarildo disse que o desentendimento com Dirce ocorreu em 13 de junho, quatro dias antes de ele levá-la à Graciosa. Ele também negou ter empurrado a amante --disse que ela caiu ao se desequilibrar. Por não conseguir vê-la, ele "não chamou socorro, pois não ouviu gritos nem pedidos de ajuda". Disse ter acreditado "que ela estava bem e foi embora", segundo o depoimento que prestou.

"Ela tem antecedentes criminais"

O advogado André Felippe do Carmo, que o defende, questiona a forma como o depoimento foi tomado. "Ele depôs sem a presença de um advogado", argumentou. "E não há quaisquer provas além do depoimento de Dirce. Foi unicamente com base nele que a polícia pediu e a Justiça concedeu a prisão preventiva", afirmou o defensor.

Carmo acompanhou, nesta manhã, Alice, a mulher de Amarildo, à delegacia. "É impossível ele ter feito isso. Ela está inventando. E tem antecedentes criminais", falou, em voz baixa. Segundo Oliveira, o delegado, Dirce de fato tem ao menos uma passagem policial por falsidade ideológica --ele não soube explicar detalhes. Quando confrontada pela reportagem sobre a polícia afirmar que ela tem antecedentes criminais, Dirce negou.

Alice disse estar certa da inocência do marido. "Ele diz que ela caiu e que usou a lanterna do celular para procurá-la. Como não encontrou, se apavorou e foi embora. Ele não é bandido. O erro dele foi não ter comunicado o que aconteceu", afirmou, ao lado do advogado. Ela disse não se lembrar do marido ter chegado em casa nervoso ou alterado naquela noite de junho. "Ele é um homem de falar pouco."

"A imprensa diz que ele teve um caso com essa mulher, mas não acho isso possível", desabafou Alice. No depoimento, Amarildo confirmou o relacionamento. "Não dá pra ter nenhum tipo de sentimento por ela. Ela está destruindo a vida dele. Somos uma família muito unida", falou ela, com os olhos cheios d'água, transparecendo mais tristeza e incredulidade que raiva. Alice está grávida de três meses.

Nesta quinta, a filha do casal, uma estudante universitária, soube do caso quando a polícia chegou à casa da família no Jardim das Américas, um bairro de classe média na região leste de Curitiba.

Com um mandado em mãos, os investigadores buscavam o telefone celular de Dirce, desaparecido desde o dia do crime. Não o encontraram. Um dia antes, o advogado de Amarildo protocolara pedido da liberdade provisória do cliente. "Espero que fique preso", falou Dirce. "Ele disse que iria até os quintos dos infernos atrás de mim. Se ele for solto, vou ter que me mudar."

Por lei, o prazo para a conclusão de inquéritos em que há réu preso é de dez dias. Ao concluir o trabalho, a polícia irá indiciar ou não Amarildo pelo crime de tentativa de feminicídio. Se indiciado, ele poderá ser acusado pelo crime pelo Ministério Público, o que o levará a julgamento.

O feminicídio é igualado, na lei brasileira, ao homicídio qualificado, e é punido com 12 a 30 anos de detenção. No caso de crime não consumado (tentativa de feminicídio), a pena é reduzida em um a dois terços.

* Os nomes foram trocados para preservar a identidade dos envolvidos