Meio ambiente

Prefeitura de Marechal ignora estudo da Ufal sobre mortalidade de peixes

Prefeitura aguarda laudo do IMA em vez de estudo que liga canaviais à poluição da água

Por 7Segundos 21/06/2019 15h03
Prefeitura de Marechal ignora estudo da Ufal sobre mortalidade de peixes
Peixes mortos às margens da lagoa - Foto: Reprodução

A prefeitura de Marechal Deodoro não reconhece o estudo feito pelo Centro de Ciências Agrárias da Ufal - que monitorou a mortalidade de peixes na Lagoa Manguaba e apontou o uso de agrotóxicos nos canaviais como um dos culpados do desastre ecológico - e aguarda um laudo do Instituto do Meio Ambiente (IMA), relativo à coleta de amostras da água feita na última segunda-feira (17), para definir providências a serem adotadas contra as causas da poluição da lagoa. Na manhã desta sexta, o prefeito Cláudio Filho (PSD), o Cacau,  e técnicos do Instituto compareceram a uma reunião convocada pelos pescadores e, ao final, emitiu a seguinte nota: 

"A Prefeitura de Marechal Deodoro aguarda o laudo final do Instituto do Meio Ambiente (IMA) que irá apontar as causas da mortandade de peixes na Lagoa Manguaba. 
A Prefeitura não tem medido esforços para buscar ajuda junto aos Governos Estadual e Federal. Com isso, o prefeito do município, Cláudio Filho Cacau, está agendando uma viagem a Brasília para solicitar auxílio do Governo Federal.
A gestão se solidariza com os pescadores deodorenses e reafirma seu compromisso em defesa das Lagoas e na busca junto aos órgãos ambientais para que se encontre as causas da mortandade dos peixes."

Conforme a assessoria de comunicação, além da viagem à Brasília, onde o prefeito pretende mais uma vez buscar meios para dragagem da lagoa, Cacau também teria marcado uma reunião com o governador Renan Filho (MDB), para pedir auxílio aos pescadores que ficarão sem fonte de renda enquanto a atividade estiver paralisada. Ainda na reunião, pescadores definiram a formação de uma comissão, com a participação da prefeitura, IMA e do deputado Marcelo Beltrão (MDB), que está acompanhando a questão.

As discussões, no entanto, ignoram completamente o estudo do Centro de Ciências Agrárias da Ufal, divulgado meses atrás, que é resultado do monitoramento feito na bacia da lagoa e do rio Paraíba desde o ano passado. O laudo, de autoria do professor Emerson Soares, que tem pós-doutorado em aquicultura marinha e impacto ambiental na qualidade da água, foi amplamente divulgado pela imprensa alagoana no início de maio, junto com o alerta dado pelo professor: a mortalidade dos peixes da Lagoa Manguaba vai continuar se repetindo até que medidas para evitar que a bacia continue sendo contaminada sejam adotadas. 

As causas da contaminação dos peixes e crustáceos que são o sustento das famílias de pescadores da região também foram esclarecidos. A quantidade de coliformes fecais muito acima do permitido, provenientes do esgoto doméstico lançado sem qualquer tratamento, e a presença de metais pesados, como cálcio, potássio, cádmio e alumínio, presentes nos agrotóxicos utilizados nas lavouras de cana que existem nas proximidades da lagoa e do leito do rio Paraíba. Os canaviais existentes nessa área pertencem ou servem à Usina Sumaúma, do Grupo Toledo, que pertence à família de Sérgio Toledo, sogro do prefeito Cacau. 

As providências adotadas pela prefeitura de Marechal Deodoro, ao menos por enquanto, passam longe da usina e até mesmo da falta de esgotamento sanitário no município. Enquanto isso, foca em buscar recursos para fazer o desassoreamento da lagoa. A medida, apesar de ser eficaz para a retirada dos sedimentos que têm, em sua composição, os metais pesados e coliformes fecais, não impede que o esgoto e os agrotóxicos continuem poluindo a Manguaba.

O professor Emerson Soares, em entrevista ao 7Segundos, não fez nenhuma menção à Usina Sumaúma, mas reafirmou que os agrotóxicos e o esgoto são a causa da poluíção na lagoa. De acordo com ele, nem mesmo os peixes que restaram após a última mortandade de peixes são seguros para o consumo devido à grande concentração de metais pesados, mesmo passando por processo de cozimento. 

"Os sedimentos que contém metais pesados e coliformes fecais ficam no fundo da lagoa, numa parte onde a água não se movimenta tanto. Por conta dessa poluição, os peixes ficam mais acima, perto da margem, onde há maior movimentação da água. Quando chove, essa água que fica mais ao fundo e a de cima se misturam mais, aumentando a concentração de metais pesados na água em si, a liberação de gases tóxicos provenientes dos coliformes e a consequente redução de oxigênio. Com isso, os peixes menores e de menor capacidade respiratória, não resistem e morrem", explicou o professor.

Segundo ele, a mortandade de peixes costuma ser mais frequente no início do inverno e durante as "trovoadas" de verão porque, no período chuvoso, a quantidade de chuva é suficiente para  "lavar" a parte mais superficial de sedimentos contaminados. 

Para despoluir a bacia que compõe a Lagoa Manguaba, o professor afirma que a dragagem é um dos passos necessários, mas antes, é preciso impedir que o esgoto e os agrotóxicos utilizados na lavoura de cana cheguem até a água. De acordo com o professor, quando há o uso de agrotóxico nas plantações, quando chove, os produtos químicos são "carreados", ou levados pela água da chuva, até o rio que abastece a lagoa.

"Por conta disso, a primeira medida de despoluição é uma fiscalização séria, porque nada do que for feito terá efeito duradouro se a água continuar sendo contaminada pelos metais contidos nestes agrotóxicos. Além disso, é necessário também um trabalho de educação ambiental com a população ribeirinha e obras de saneamento básico. Depois vem a dragagem para retirar todo o sedimento contaminado. Para fazer com que aquela região volte a ser um meio ambiente saudável, mesmo com todas essas medidas, leva ainda de 5 a 10 anos. Mas se nada for feito de maneira emergencial, ocorrerão novas mortandades de peixes, trazendo consequências para o meio ambiente, consequências sociais, para os ribeirinhos que vivem da pesca na região, e também econômicas, já que o turismo na região está diretamente ligado à beleza natural, que pode acabar", ressaltou.

Após a publicação da matéria, o professor Emerson Soares encaminhou à redação a seguinte nota: 

Prezados,
Sobre a reportagem da qual cita meu nome: Emerson Carlos Soares professor da UFAL, gostaria de informar que os nossos estudos não tem nada conclusivo com respeito ao uso de agrotóxicos em usinas de cana de açúcar, o nosso trabalho que está em andamento reforça que o problema na lagoa Manguaba vem de muitos períodos de acúmulo de nutrientes e contaminantes, oriundos de esgotos domésticos, esgotos de origem desconhecida e contaminantes que podem ser agrotóxicos ou fertilizantes usados em plantações, ao longo de todo o Rio que deságua na lagoa Manguaba, e provavelmente com anos de depósito destes sedimentos contaminados com nitrogênio, potássio e fósforo, e compostos sulfatados em conjunto com a própria matéria orgânica depositada através do carregamento de chuvas e levados à lagoa, extrapolou a capacidade de suporte do ambiente e acabou por intoxicar os peixes que morreram por deficiência de oxigênio e por não conseguirem realizar trocas gasosas. Em nenhum momento citamos que foi culpa de usinas, ou de prefeituras, e sim de uma somatória de fatores que ainda estão sendo averiguados.
Att.
 

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