Celebridades

'Montação' de drags movimenta o mercado de moda sob medida

'Montação' de drags movimenta o mercado de moda sob medida

Por FolhaPress 28/07/2019 15h03
'Montação' de drags movimenta o mercado de moda sob medida
Mercado dragqueen - Foto: Reprodução

A "montação" movimenta a moda customizada. O verbete é definido no "Aurélia", dicionário com expressões do universo LGBT, como o ato de se vestir de mulher, em geral de forma exagerada.

A montação exige um processo de glamourização da imagem. Não basta colar paetês ou aumentar os tamanhos dos saltos altos. É preciso ouvir, sanar e respeitar as necessidades de quem "bate o cabelo" -faz performance profissional- ou só quer mudar o visual para uma noite de festa.

Assim o gaúcho Fábio Dreher, 41, conseguiu que mais de metade dos 700 pares de sapatos vendidos por sua loja, Domínio da Moda, fossem endereçados à clientela drag. Parcerias com influenciadoras digitais do meio, como Rebecca Foxx e Gloria Groove, permitiram à marca conhecer de perto o universo da montação e, assim, faturar com ele.

Mas um salto quebrado, ele diz, pode minar o negócio que tem faturamento anual de R$ 1,3 milhão e funciona no polo calçadista de Igrejinha, a 66 km de Porto Alegre. "Prego reforçado, palmilha acolchoada e tiras mais resistentes diferenciam o produto. Imagine um rasgo no meio do show? É um desastre para ela e para nós", diz Dreher, que desde 2014 se especializou em numerações grandes.

Quando, há três anos, começou a investir mais em personalização, o negócio passou a crescer 30% ao ano, diz. "O segredo é ser sincero e respeitoso. O pós-venda, a pontualidade e o interesse em aprender é primordial nesse nicho."

A marca prepara sua primeira campanha virtual com uma modelo montada, ação que, ele sabe, pode enfrentar críticas da parcela de clientes fora do espectro LGBT. "Também haverá uma modelo comum, mas precisamos levar a diversidade ao pé da letra."

Fernando Pires, 65, foi precursor nesse mercado. Nos anos 1990, seus sapatos com brilho e meias-patas extravagantes agradavam as pioneiras da noite paulistana, como Salete Campari e Nanny People.

Ele diz que, mesmo quando Madonna calçou um de seus saltos numa passagem que fez pelo país, em 1993, as madames viravam a cara para suas criações. "As drags foram importantes para mostrar que o exagero pode ser glamouroso."

Hoje, Pires calça sob medida cantoras, atrizes e, claro, drags, com saltos enormes. Um par custa em média R$ 800. Essa personalização vale ouro no mercado.

O estilista Renato Mit, 26, que passa o tempo desenhando e cortando panos forrados de paetês, sabe disso. Ele diz que as drags não compram roupas femininas, porque são feitas para biótipos curvilíneos."Uma calça de cintura alta comum fica baixa no tronco masculino, mais alongado. Também não há tanta diferença entre a cintura e os ombros, por isso há recortes específicos para dar a ilusão da cintura", diz Mit.

Ele se prepara para sair do ateliê montado na sua casa, em Mauá, na Grande São Paulo. Até o fim do ano, pretende abrir endereço na capital e contratar assistente para aumentar o faturamento de R$ 6.000 mensais que atinge com sua marca, Untori, cujas vendas são feitas por Instagram.

O diferencial de Mit é a tabela de preços que pratica, similar à de uma loja de porte médio e bem mais acessível do que a maior parte das roupas feitas sob medida. Uma jaqueta de paetês sai por até R$ 240, e um body, peça popular entre as drags, até R$ 500.

Uma de suas clientes mais assíduas é Tiffany Bradshaw, nome artístico de Rafael Baptistella, que precisa de ao menos três looks para cada fim de semana do mês, sempre lotado de eventos. "O mercado mudou. Até a [rede de lojas] Marisa tem um provador só para os homens provarem roupas de mulher. Mas ainda é difícil achar algo pronto que fique bem no corpo", diz Tiffany. Ela tem, só de perucas, sete feitas de cabelos humanos (uma custa até R$ 2.000) e cinco de fios artificiais (R$ 400). Não lhe peça, porém, para contar os quilos de maquiagem no armário.

É à marca Catharine Hill que a maioria recorre para suprir o estoque de maquiagem artística. A empresária Julia Benedetti, 55, conta que, quando a empresa de Mirandópolis, no interior paulista, foi fundada por sua mãe, nos anos 1980, as drags usavam talco em vez de pó, hipoglós no lugar de base e massinha para esconder as sobrancelhas. "Não havia nada."

Agora, há cursos mensais de maquiagem só para drags, ministrados em um dos centros técnicos da empresa, que tem um terço de seu faturamento proveniente das linhas artísticas e 30% da cartela de clientes composta por drags.

A chave do sucesso aqui, Benedetti diz, é a fixação da maquiagem, porque "tem que aguentar intacta o suor de uma noite toda". Tudo em prol da montação perfeita.