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PM que matou jovens trabalhava ‘com ódio’, segundo colegas de corporação

Em conversa interceptada, PMs falaram para sargento não atirar

Por O Globo 25/11/2019 09h09
PM que matou jovens trabalhava ‘com ódio’, segundo colegas de corporação
Pai de Thiago Dingo, morto em operação da polícia, Gilberto visita o túmulo do filho todos os meses - Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo

Um dia após o sargento Carlos Fernando Dias Chaves confundir um macaco hidráulico com uma arma e matar dois jovens na Pavuna , Zona Norte do Rio , há quatro anos, um colega de batalhão do PM afirmou, numa ligação telefônica, que o praça “estava trabalhando com ódio” quando atirou. Num diálogo entre dois agentes do 41º BPM (Irajá) interceptado com autorização da Justiça no dia 30 de outubro de 2015, um dos policiais, ao comentar os homicídios, afirmou que o sargento “ficava falando que ia matar, matar e com isso deixou de ser profissional” e que “qualquer um que ele pegasse, ia matar”.

As escutas, obtidas com exclusividade pelo GLOBO, fazem parte de um Inquérito Policial Militar (IPM) que investiga o recebimento de propinas por PMs do 41º BPM na época dos assassinatos dos mototaxistas Thiago Guimarães Dingo e Jorge Lucas Martins Paes. No diálogo, um oficial do batalhão, que teve seu sigilo telefônico quebrado, pergunta a um praça como a ação aconteceu. O policial responde que os demais PMs que patrulhavam o local na ocasião “disseram para o Carlos Fernando não atirar, eles gritaram para não atirar, dizendo ‘ninguém atira, não atira, não é arma’”. Em seguida, o PM completa: “O Carlos Fernando mirou e atirou e ninguém entendeu nada”. Quatro anos depois, o sargento ainda não foi julgado nem preso pelos crimes — o processo contra o sargento segue em andamento na 4ª Vara Criminal da capital.

Gilberto Lacerda Dingo, de 73 anos, pai de Thiago, visita o túmulo do filho, no Cemitério de Irajá, mensalmente no dia 29 — data em que o rapaz foi morto.

— Perder um filho na idade que ele tinha, do jeito que morreu, dói muito. Enquanto isso, o assassino continua aí, como se nada tivesse acontecido — diz Gilberto.

Durante a conversa interceptada, o policial também afirma que o sargento tentou fugir do local do crime: “Carlos Fernando foi até o rapaz e, ao verificar que estava morto, disse para ‘meter o pé’”. Em interrogatório no Tribunal de Justiça, Carlos Fernando afirmou que atirou porque confundiu um macaco hidráulico que um dos jovens carregava na garupa da moto com uma submetralhadora. No depoimento, o sargento acusou os jovens de fazerem “disque drogas” e disse que só atirou porque pensou que sua equipe estava “em iminente perigo”.

Licença para tratar saúde

Atualmente, o sargento Carlos Fernando está de licença da corporação para tratamento de saúde. Antes, ele já havia sido transferido do 41º BPM — onde trabalhava desde 2010 no Grupamento de Ações Táticas (GAT), formado por agentes com perfil mais operacional — e só atuava em serviço burocrático no 39º BPM (Belford Roxo).

A PM do Rio tem um histórico de casos em que agentes confundem outros objetos com armas. O mais recente é o da menina Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, morta por um tiro disparado por um policial militar no Morro da Fazendinha, no Complexo do Alemão.

De acordo com a Polícia Civil, o PM deu um “tiro de advertência” para forçar a parada de dois homens que estavam em uma motocicleta. O agente alegou que um dos homens portava uma arma. No entanto, segundo testemunhas, o objeto que ele segurava era uma esquadria de alumínio.

Em setembro do ano passado, o garçom Rodrigo Serrano, 26 anos, foi morto no Chapéu-Mangueira, em Copacabana, por um PM que, segundo testemunhas, confundiu o guarda-chuva que o homem segurava com um fuzil. Até hoje, o caso segue sob investigação.

Em 2010, no Andaraí, um policial do Bope matou um morador depois que confundiu uma furadeira com uma arma. Dois anos depois, o agente foi absolvido do crime.