Justiça

Justiça condena ex-prefeito de Viçosa denunciado por “farra das diárias”

Flaubert Torres Filho terá os direitos políticos suspensos por 5 anos

Por 7Segundos, com MP/AL 13/04/2021 09h09 - Atualizado em 13/04/2021 09h09
Justiça condena ex-prefeito de Viçosa denunciado por “farra das diárias”
Flaubert Torres Filho - Foto: Divulgação

Recebimento de diárias sem a realização de viagens ou a ausência da devida comprovação delas e aquisição de passagens aéreas e hospedagens sem processo licitatório. Essas foram as principais acusações feitas pelo Ministério Público do Estado de Alagoas (MPAL) que levaram a condenação do ex-prefeito de Viçosa, Flaubert Torres Filho, e do ex-secretário municipal de Administração, Maxwell Carnaúba Passos. A ação por ato de improbidade administrativa, ajuizada em 2015, demonstrou que os réus causaram prejuízo aos cofres públicos de mais de R$ 195.935,33 mil.

Pela investigação realizada pelos promotores de Justiça Anderson Cláudio de Almeida Barbosa, de Viçosa, e José Carlos Castro, do Núcleo de Defesa do Patrimônio Público, o ex-gestor Flaubert Torres Filho ordenou pagamento de diárias para si próprio e para Maxwell Carnaúba na ordem de mais R$ 153 mil.

Já em passagens e hospedagens, o dano ao erário quase chegou à casa dos R$ 43 mil. Só que o grande problema não esteve na concessão dos benefícios, que possuem previsão legal, mas sim, na forma como eles foram autorizados, haja vista que os dois gestores burlaram a legislação para receber o dinheiro.

A apuração sobre a prática do ato de improbidade administrativa teve início com o Procedimento Preparatório de Investigação nº 004/2014, que levou em consideração a representação encaminhada pela então presidência da Câmara de Vereadores de Viçosa. O documento noticiava possíveis irregularidades nas concessões de diárias realizadas pela Prefeitura.

A partir daí foram requisitados documentos e houve a oitiva de servidores públicos e de testemunhas. Foi ainda realizada auditoria pelo Departamento de Auditoria da Procuradoria-Geral de Justiça, com base na documentação recebida pelo MPAL.

Após analisar todo o material probatório, constatou-se que houve pagamento irregular para as viagens que deveriam ter sido realizadas para as cidades de Maceió (AL), Brasília (DF), Recife (PE), Fortaleza (CE), São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG), Arapiraca (AL), Palmeira dos Índios (AL), Cajueiro (AL), Marechal Deodoro (AL), Delmiro Gouveia (AL) e Atalaia (AL).

170 diárias em 259 dias úteis


Causou estranheza ao Ministério Público a quantidade de diárias pagas a Flaubert Tores Filho. Somente em 2014, ele recebeu 170 diárias. “Considerando que no ano de 2014 tivemos 259 dias úteis, é possível concluir, em rápida aritmética, que o prefeito teria permanecido em sua cidade em 89 dias úteis. Ou seja, em todo ano, teria comparecido no local de trabalho em apenas 35% dos dias, ficando 65% dos dias úteis em atividades fora do município”, argumentaram os promotores de Justiça na ação ajuizada à época.

Num comparativo com outros prefeitos, especialmente de cidades maiores, a diferença da quantidade de diárias pagas é exorbitante. O então prefeito de Maceió, Rui Palmeira, teria recebido, também em 2014, apenas R$ 5,8 mil. Já Célia Rocha, que governava a cidade de Arapiraca, recebeu R$ 22 mil.

“Tudo aponta que o prefeito, indevidamente, acresceu à sua renda mensal uma quantia significativa em diárias, estabelecendo uma forma de simular uma remuneração, criando um salário paralelo, vez que o mesmo percebeu mensalmente, em média, R$ 6.395,83 (seis mil, trezentos e noventa e cinco reais e oitenta e três centavos), somente a título de diárias, elevando a quase o dobro de seu salário líquido médio de R$ 7.000,00 (sete mil reais), porquanto todas essas diárias acarretaram em processos de pagamento nos quais não se apresentou nenhum comprovante da viagem ou da hospedagem”, declarou o promotor Adriano Jorge Correia de Barros Lima, atual promotor da Comarca, e que atuou na instrução do processo.

Farra de falsas viagens


Por meio da investigação também foi possível obter mais uma relevante constatação de ato de improbidade. O ex-prefeito recebeu diárias para viagens que não realizou. Foi o que se pôde verificar através de simples pesquisas nos noticiários, bem como no seu perfil pessoal e no da Prefeitura de Viçosa, na rede social Facebook.

Na portaria nº 0513/2014, por exemplo, foi autorizado o pagamento de três diárias, perfazendo um total de R$ 1,5 mil, para deslocamento de Flaubert Tores Filho à cidade de São Paulo, entre os dias 26 e 28 de fevereiro, e a justificativa apresentada foi rasa: “resolver assuntos de interesse do município de Viçosa”. Porém, o prefeito sequer saiu da região onde reside naquele período. Em sua página numa rede social, ele fez uma postagem, no dia 27, onde comentou que esteve resolvendo problemas da agremiação futebolística Comercial de Viçosa. E, ainda no mesmo dia, ele estava a se divertir em festas de carnaval promovidas pelas escolas municipais.

Já na portaria nº 1.243/2014, houve a concessão de quatro diárias para viagem a Brasília, supostamente para os dias 20, 21, 22 e 23 de maio, no valor de R$ 2 mil, sob a justificativa de “tratar de assuntos referentes ao desenvolvimento do município de Viçosa”. No entanto, no sítio eletrônico da Prefeitura de Viçosa e no Facebook, nos dias 20 e 21 daquele mesmo mês, matérias mostraram que Flaubert Torres Filho estava na cidade participando das solenidades de inauguração da Academia de Saúde de Viçosa e da assinatura de ordem de serviço para a construção do Matadouro do município.

Em mais uma portaria ilegal, a de nº 2.450/2014, mais quatro diárias, num total de R$ 2 mil, foram pagas ao chefe do Poder Executivo. O período seria entre os dias 14 e 17 de outubro e a viagem, para Recife, mais uma vez para “tratar de assuntos referentes ao município de Viçosa”. Porém, no período correspondente às diárias percebidas, Flaubert Torres Filho permaneceu na cidade Viçosa, e compareceu à rádio Princesa das Matas, em atividade exclusivamente política, acompanhando o candidato eleito Bruno Toledo, conforme consta em seu perfil no Facebook.

Diárias liberadas ao mesmo tempo para cidades diferentes


E as irregularidades não pararam por aí. As investigações comprovaram também que, além de receber a indenização por viagens que não foram realizadas, o ex-prefeito Flaubert Torres Filho foi agraciado com duplicidades de diárias, já que foram feitos pedidos, ao mesmo tempo, para viagens que supostamente aconteceriam para duas cidades de uma só vez.

Num das fraudes comprovadas, diárias foram liberadas para viagem ao Recife entre os dias 24 e 26 de fevereiro de 2014, no valor de R$ 1,5 mil. Entretanto, também para o dia 26, foi paga diária para Brasília, que incluiu ainda os dias 27 e 28 do mesmo mês, somando R$ 1,4 mil.

E para agravar ainda mais a situação, para a mesma viagem a Recife, além do empenho que liberou R$ 1,5 mil, outro segundo empenho, permitiu o pagamento de mais duas diárias a Flaubert, também para os dias 24 e 25 de fevereiro daquele mesmo ano. Ou seja, houve duplicidade de pagamento de diárias para destino igual e no mesmo período.

Passagens aéreas e hospedagens


Os promotores também detectaram que houve aquisição de passagens aéreas e hospedagens, no montante de R$ 42.755,33, no decorrer do ano de 2014, sem a realização do devido certame licitatório.

Além disso, como o ex-gestor já tivera a liberação das diárias, ele não poderia ter despesas com voos e hotel pagas pelo município. Inclusive, o Decreto Municipal nº 791/2013, que regula a concessão de diárias na administração pública municipal, diz que a sua liberação é feita a título de indenização da “despesa de alimentação, hospedagem, locomoção e locomoção urbana”.

Os pedidos deferidos


A pedido do MPAL, a juíza Juliana Batistela Guimarães de Alencar condenou os dois réus por ato de improbidade administrativa, determinando que ambos ressarçam os cofres públicos no valor de R$ 195 mil. O mesmo montante deverá ser pago por eles a título de multa civil.

Conforme a Lei nº 8.429/92, eles também foram sentenciados à suspensão dos direitos políticos por cinco anos e estão proibidos de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo mesmo prazo.