Maceió

Hospital Portugal Ramalho: mais de 60 anos de história desaparecendo entre rachaduras

Referência em tratamento psiquiátrico no Estado, agora sofre com sequelas da mineração

Por Pedro Vasconcelos* 16/05/2021 08h08 - Atualizado em 16/05/2021 13h01
Hospital Portugal Ramalho: mais de 60 anos de história desaparecendo entre rachaduras
Referência em tratamento psiquiátrico no Estado, agora sofre com sequelas da mineração - Foto: Elenilda Oliveira/7Segundos

Nas últimas semanas foram iniciadas as investigações acerca da possível realocação do sexagenário Hospital Escola Portugal Ramalho (HPER). O único hospital psiquiátrico público em toda Alagoas sofre com a movimentação do solo em aproximadamente 50% de sua área.

Segundo o Serviço Geológico do Brasil, a instabilidade que afeta o local é um fenômeno causado pela mineração da Braskem para extração da sal-gema. O problema começou ainda em 2018, quando as primeiras rachaduras apareceram no barro do Pinheiro e, posteriormente, se alastraram pelo Mutange, Bom Parto e Bebedouro, até chegarem em parte do bairro do Farol, em 2020.

O HEPR possui atualmente, 160 leitos em sua unidade, oferece três serviços de tratamentos alternativos internos (PISAM, CAPS e CEAAD). É o único serviço de urgência e emergência em psiquiatria do nosso Estado.

Com uma média de 115 a 120 internos, dos quais 16 estão internados há mais de 2 anos e são considerados pacientes residentes, a situação é de insegurança tanto para os pacientes, quanto para os servidores.

Rachadura mais recente na ala masculina. Foto: Elenilda Oliveira/7Segundos


Problemas com Pacientes

Segundo a diretora administrativa do hospital, Helcimara Martins Gonçalves, a situação dos internos é agravada pela instabilidade do solo. “Uma paciente saiu gritando que o hospital iria cair na cabeça dela”, disse ela.

A diretora administrativa também relatou que alguns residentes têm medo de tomar medicação para dormir, porque temem que algo aconteça enquanto estão dormindo. Outros se perguntam onde vão morar. A situação é prejudicial para o tratamento deles.

Helcimara Martins Gonçalves, diretora administrativa do HEPR. Foto: Elenilda Oliveira/7Segundos

Outra situação preocupante é a de pacientes que tecnicamente precisariam de internação, mas que por medo, deles ou até dos familiares, do que pode acontecer com o local, decidem retornar para casa.

Helcimara ainda explicou que havia planos para que a gestão pudesse levantar uma nova estrutura, mas que diversas dificuldades entraram no caminho. Hoje, está fora de cogitação fazer investimento numa área que pode estar totalmente em risco daqui a algum tempo.

“Há 5 anos existia um projeto para que aqui houvesse um hospital de clinicas com leitos de psiquiatria”, relembrou ela. “Houve mudanças nesses planejamentos. Há dois anos, vinham trabalhando em uma nova planta arquitetônica para transformar a emergência psiquiátrica e abrir os muros para a sociedade, para que as pessoas pudessem enxergar essa estrutura de uma forma diferente. Os nossos planos acabaram sendo sufocados, tanto pela pandemia, porque os esforços da saúde se voltaram totalmente para o combate à pandemia e também por estar na área de criticidade 01 [também chamada de área de monitoramento].”

Servidores

Especialmente por se tratar de um hospital voltado à saúde mental, os servidores não poderiam ser deixados de lado quanto à própria saúde.

Gleide Vilela, diretora da Gestão de Pessoas, falou que há uma atividade fundamental no hospital. “O Projeto Pit Stop da Saúde Mental é uma parada para que a gente consiga ouvir o servidor e trazer alguns temas”, explicou. “precisamos cuidar da saúde mental dos nossos servidores. Isso é fundamental, porque nos encontramos em um momento de muita incerteza”.

Ela ainda comentou sobre as angústias dos funcionários:

“Para onde vamos? Como estamos? Aparece uma rachadura, nós nos sentimos vulneráveis. Então esse projeto faz com que a gente tenha essa escuta ao servidor e dê a ele o encaminhamento certo no dia a dia. O projeto nasceu em janeiro, no mês de janeiro branco, onde, na última semana do mês, a gente faz uma parada. O servidor vem para o auditório e a gente trás temas para conversar sobre”.

Gleide Vilela, diretora da Gestão de Pessoas. Foto:Elenilda Oliveira/ 7Segundos


História

O HEPR começou a ser utilizado antes mesmo de estar pronto, no dia 15 de janeiro de 1951. No tempo, era chamado de Hospital Colônia Dr. Portugal Ramalho.

De acordo com Helcimara Martins, “o Portugal Ramalho começou como um hospital colônia. Recebiam justamente as pessoas que estavam à margem da sociedade, no início, que tinha esse perfil de adoecimento mental".

O hospital foi reinaugurado de fato 4 de janeiro de 1956, quando as obras da construção finalmente acabaram. De lá para cá o HEPR “passou por todas as etapas da reforma psiquiátrica: desde a retirada de grades e a mudança desse tratamento, e da visão do paciente psiquiátrico”, segundo Helcimara.

Em algum momento da sua história o Hospital Colônia passou a ser chamado Hospital Psiquiátrico dr. Portugal Ramalho, mais conhecido como Hospital Portugal Ramalho. E em 13 de janeiro de 2000 recebeu o nome que tem hoje, Hospital Escola Dr. Portugal Ramalho, ao ser integrado à Fundação Universitária de Ciências da Saúde de Alagoas Governador Lamenha Filho (UNCISAL).

“Ele representa um marco na história do brasil, visto que Alagoas é o berço de Nise da Silveira”, disse Helcimara. “Hoje, ele é um hospital escola. Então, a grande parte dos professores de saúde que tratam de psiquiatria e saúde mental partem do Portugal Ramalho. Eles aprendem a lidar com o paciente com transtorno mental e em sofrimento psíquico dentro dessa casa”.

Bloco Maluco Beleza

Um outro marco da história alagoana que pode ser apagado pela extração da sal-gema é o Bloco Maluco Beleza, que reúne pacientes do Hospital Escola Portugal Ramalho com funcionários, moradores do Farol e muito frevo.

Bloco Maluco Beleza. Foto: Reprodução/Agência Alagoas

Neste ano, porém, a festa aconteceu no dia 11 de fevereiro, mas apenas entre os pacientes. Devido à pandemia de coronavírus, a atividade aconteceu internamente como ação terapêutica de apoio e sem a presença de familiares.

O bloco é uma tradição que perdura, mesmo com tantas ameaças em volta.

*Estagiário com supervisão da Editoria